terça-feira, 28 de janeiro de 2014

INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ (IRSC)




OBS: Este estudo é parte do meu livro: MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS. PARA ADQUIRI-LO, CLIQUE AQUI: MISSÃO INTEGRAL E-BOOK


Indicadores para a Igreja

            Com respeito à relação entre mundo e Igreja, a Bíblia nos dá a certeza de que não é possível haver uma fusão entre os dois. A Igreja é composta por pecadores separados do mundo para Deus e cuja pátria está nos céus. O mundo é composto de pessoas ainda perdidas, que não estão debaixo do Senhorio de Cristo nem da graça salvadora de Deus. Por mais sinais de simpatia – geralmente motivados por modismos e pela influência da música gospel – que o mundo dê à Igreja, sabemos que ele nos odeia, assim como odiou ao Senhor: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (Jo 15:18,19; cf. tb. Mt 10:22; Lc 6:22; Jo 17:14). Até este ponto poderíamos afirmar: de nada vale nos dedicarmos a pessoas que sempre nos odiarão, que jamais aceitação a nossa palavra e que, pelo contrário, nos esmagarão com seu ódio mortal contra Deus.
            Além de sermos odiados pelo mundo, somos convocados a não nos envolver com o mundo nem com aquilo que nele há. Na parte VI deste estudo, porém, aprenderemos que devemos ter uma visão correta de mundo e do nosso envolvimento com ele para que possamos decidir que decisões tomar com relação à nossa vida espiritual e o nosso envolvimento, como Igreja, nas questões que afligem o mundo (comunidade, sociedade). Se por um lado não devemos amar o mundo (1 Jo 2:15), por outro lado devemos salgá-lo e iluminá-lo com a luz de Cristo (Mt 5:13-16), pregando pelo mundo o Evangelho da Salvação (Mt 16:15). Embora o mundo não nos conheça (1 Jo 3:1), é nele que devemos proclamar as virtudes de Jesus (1 Pe 2:9). Está claro que o envolvimento que devemos evitar é de caráter ético e moral: a nossa santidade não pode ser manchada pelo pecado do mundo; o nosso corpo, que é templo do Espírito Santo, não deve ser entregue à prostituição. Por outro lado, o envolvimento que devemos ter com o mundo é, também, de caráter ético e moral. Nossos valores transformados nos levam a uma inconformidade de forma (não adotar o padrão do mundo como parâmetro) e de moral (não se conformar com a injustiça que o mundo produz).
            No início deste capítulo afirmamos que quanto menos comprometidas com o bem-estar das pessoas e do planeta, mais negativa será a imagem das empresas no mercado, menor o seu lucro e menores as suas possibilidades de crescimento. Assim, investir em Responsabilidade Social tornou-se uma questão de sobrevivência para as empresas. O antigo ditado “quem não tem competência, não se estabelece”, parece ter sido trocado por “quem não tem responsabilidade, não se estabelece”. Para fazermos a conexão entre os indicativos de Responsabilidade Social apresentados anteriormente e a Missão da Igreja, devemos fazer a seguinte paráfrase: “Quanto menos comprometida com o bem-estar das pessoas e do planeta, mais negativa será a imagem da Igreja no mundo, menor a sua eficácia evangelística e menores as suas possibilidades de testemunho”. Num mundo cada vez mais virtual, repleto de imagens (vídeos, fotos) e informatizado, a imagem é tudo. O que a Igreja passa para o mundo – a sua imagem – pode influenciar positiva ou negativamente em suas ações evangelísticas e sociais.
            Criar indicativos de Responsabilidade Social para a Igreja não significa muito mais que repetir aquilo que a Bíblia já vem ensinando há séculos. Enquadrar-se nesses indicadores significa repensar a prática de vida da própria Igreja ou igreja local. Existem parâmetros descritos na Bíblia que colocam a Igreja no centro da vontade de Deus naquilo que diz respeito ao seu envolvimento com o mundo e o seu chamado profético de pregar (viver) o Evangelho de Cristo. Quatro perguntas devem ser feitas:

1.      Qual o valor dos cristãos para a igreja? Eles são apenas um número no rol de membros das denominações ou possuem valor intrínseco? Seus dons e talentos são valorizados? A Igreja tem cuidado dos seus problemas pessoais (existenciais, sociais)? Eles estão ali mais para receber ou para dar, compartilhar?
2.      Qual o valor da Igreja para os cristãos? Será que a forma como a igreja lida com os seus fiéis tem despertado neles um sentimento de pertença, de compromisso com a obra? Os cristãos têm desenvolvido amor pelo corpo de Cristo e entendido o papel importante da igreja para as suas vidas e para o mundo? A Igreja é vista como um evento dominical diferente dos “clubes” do mundo ou como a presença dos salvos no mundo?
3.      Qual o valor do mundo para a Igreja? Como a Igreja do Senhor Jesus enxerga o mundo (comunidade, sociedade)? Ele é visto como um estorvo ou como fonte de oportunidades de manifestação da glória de Deus? O mundo é uma “panela do diabo” ou o local onde Deus quer operar a salvação? Que valor as pessoas e os seus problemas têm para a Igreja?
4.      E qual o valor da Igreja para o mundo? O que o mundo pensa quando pensa na Igreja do Senhor? A Igreja tem salgado e iluminado o mundo, feito a diferença ao ponto de ser lembrada como uma bênção? Quando o mundo observa a Igreja encontra cristãos cheios de amor e misericórdia ou repletos de ganância de intrigas? Se a igreja local deixasse de existir em certas comunidades, alguém sentiria a sua falta?

A Igreja do Senhor necessita não somente rever seus conceitos, mas também criar parâmetros que possam determinar seu rumo diante das constantes demandas sociais. Aquilo que pode ser feito, deve ser feito. A Bíblia não nos ensina apenas a deixar de fazer o que é errado, ela também nos indica a coisa certa a fazer. Deixar de errar é apenas parte do processo: quem errava deve começar a acertar. Aquele que furtava não deve simplesmente parar de furtar, mas precisa começar a trabalhar para fazer o bem e acudir o necessitado (Ef 4:28). Se a Igreja tem se omitido quanto aos problemas sociais, ele deve rever as suas atitudes e passar a fazer a coisa certa. O que Deus espera de nós? Nós esperamos dele a salvação, mas após a salvação, Ele nos pede algo: obediência. Obedecer a Deus, biblicamente, significa tão somente amá-lo acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Amando assim, todos os outros mandamentos serão obedecidos. Quem ama jamais produz o mal, mas somente o bem. Quem ama não vive badalando tal qual um sino, mas empreende obras dignas desse amor.


Indicadores de Responsabilidade Social Cristã (IRSC)

            Os Indicadores de Responsabilidade Social Cristã (IRSC) são parâmetros básicos que guiam a Igreja na execução da sua Missão Integral. Eles se desdobram em diversas ações sociais que começam com a própria ekklesia e se estendem a toda a sociedade. Ser responsável socialmente requer capacidade de enxergar o outro e o mundo com os olhos de Cristo, olhos de amor e salvação. Quando olhamos para as pessoas com os olhos turvos de preconceitos e pressupostos egoístas e mesquinhos, a nossa visão limitada não nos permite enxergar o seu sofrimento e a nossa possibilidade de auxílio. Para uma ação social responsável no mundo, a normatização dos IRSC deve ser acima de tudo a Bíblia. As ações que serão ainda pensadas neste estudo seguem essa normatização. Outras fontes de normas para a Igreja como parâmetros do que fazer e de como agir, são: Constituição da República, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e demais leis brasileiras. Além disso, a Igreja não pode deixar de dar atenção à Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros documentos internacionais que visam preservar a vida humana e a natureza. Ainda outra ferramenta para o IRSC é o Pacto de Lausanne, importante documento que dispõe sobre a Responsabilidade Social da Igreja.
            Os IRSC são ferramentas importantes para a Igreja, acima de tudo num momento histórico em que o liberalismo tem produzido teologias e práticas libertinas em total desacordo com o caráter santo das Escrituras. A presença do Neopentecostalismo e da Teologia da Prosperidade com a sua fé repleta de elementos místicos, com o seu apelo constante e insistente à vida abastada de seus fiéis (empresas milionárias, carreiras de sucesso, bens materiais como carros luxuosos, casas, iates, etc.) tem servido para moldar no consciente coletivo uma imagem extremamente deturpada de evangelicalismo e fé cristã. Pastores, bispos, missionários e apóstolos que enriquecem através dos seus ministérios; religiosos envolvidos em escândalos sexuais, crimes de estupro, corrupção, assassinatos, tráfico de drogas e estelionato, formam o saquitel de exemplos indigestos da falta de ética, de valores cristãos de muitas “igrejas”. Em meio a esse emaranhado de pecados grotescos, a Igreja do Senhor prossegue em sua missão de ser sal e luz, de ganhar almas e salvar vidas.
            Se antigamente a Igreja era perseguida – como acontece ainda em alguns países – hoje ela é cobrada pela sociedade, que deseja ver a sua teologia sendo demonstrada na vida real das pessoas. De inimiga ela passou a aliada na luta contra os problemas sociais do mundo. Como ela fará isso sem comprovar um caráter santo e irrepreensível? Os IRSC fundamentam-se nos seguintes princípios:

·         Gestão ética e responsável baseada em princípios e valores bíblicos, que garantem a lisura da Igreja, sua confiabilidade e transparência.
·         Pregação legítima e condizente com o seu caráter cristão.
·         Direcionamento de estratégias, avaliação de eficácia das metas e iniciativas planejadas.
·         Indicadores de necessidades e adaptação das deficiências das iniciativas de Responsabilidade Social.
·         Norteamento das formas como as lideranças devem agir na sociedade e cuidados que devem tomar em determinadas circunstancias para demonstrar sua Responsabilidade Social.

Tais princípios são demonstrados através das ações sugeridas em todo este estudo, onde a Igreja é chamada a exalar o bom perfume de Cristo e proclamar as suas virtudes em um mundo desvirtuado. Torna-se mais coerente falar de Jesus – acima de tudo em pregações onde o mundo é condenado por sua pecaminosidade que gera injustiça e morte – quando a Igreja demonstra viver na justiça e na vida. Como ela demonstrará isso, através de seus discursos inflamados em programas de TV e nas praças públicas? Através da manifestação de línguas estranhas ou de testemunhos de prosperidade financeira? De forma alguma, mas pela manifestação do poder do Espírito Santo na obediência aos mandamentos da Deus que, como já demonstramos, encontram o seu termo no amor. Uma fé viva e prática capaz de ser sal e luz, de trazer à terra o Reino dos céus é o que Deus espera da sua Igreja.



Temas
Indicadores
Gestão Eclesiástica
Compromisso com a verdade da Palavra de Deus, liderança ética baseada em valores bíblicos, respeito às leis do país e internacionais, capacidade de diálogo com os fiéis e o mundo, honestidade e transparência na gestão, modo de vida simples.
Público interno
Liderança (vocação, treinamento, desenvolvimento, gestão ética, corrupção, abusos de autoridade, serviço); “leigos” (vocação, cuidado, desenvolvimento, empoderamento, acompanhamento, serviço, valorização da diversidade, serviço social).
Público externo
Gerenciamento da influência e do impacto da igreja junto à comunidade, relações com organizações atuantes na comunidade (outras igrejas, ONGs, associação de moradores, grupos culturais, escolas, etc.), mecanismos de apoio a projetos sociais (da igreja local ou não), estratégias de atuação na área social, mobilização dos recursos para o investimento social, reconhecimento/apoio do trabalho voluntário dos cristãos.
Direitos humanos
Apoio e respeito a proteção dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente; isto significa promover ações de combate a toda forma de abuso contra esses direitos e ao mesmo tempo certificar-se de que não é cúmplice em abusos aos direitos humanos.
Trabalho
Defesa da liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva; A exemplo das pastorais católicas, ele deve lutar pela  eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório, bem como a erradicação efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação no emprego e ocupação.
Meio ambiente
Apoio a uma abordagem preventiva sobre os desafios ambientais, desenvolver iniciativas a fim de promover maior responsabilidade ambiental e incentivar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias ambientalmente sustentáveis. Também é necessário a Igreja ter conhecimento sobre o impacto no meio ambiente (poluição sonora).
Combate à corrupção
Combate a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina. Esse combate deve começar primeiramente dentro de sua esfera eclesiástica.


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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A MISSÃO INTEGRAL E O REINO QUE HÁ DE VIR


foto: internet (google imagens)


ESTE ESTUDO É PARTE DO MEU LIVRO: "MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS".

O Reino que há de vir

            O Reino que Jesus pregava era um reino que também haveria de vir com a parousia (cf. Mc 14:25; Mt 8:11). As duas escatologias – o reino que já é e o reino que há de vir – encontram seu termo na pregação de Jesus e dos apóstolos. Os dois Reinos se fundem em um só, pois representam a mesma realidade. No momento presente, os cristãos desfrutam das bênçãos celestiais do Reino futuro, como uma antecipação de tudo aquilo que Deus nos tem preparado e que sequer anelamos saber. Quando o Reino eterno de Cristo vier de maneira definitiva – embora ele já exista desde a eternidade – seu reinado eterno será instaurado, com sua entrada na glória e seu retorno como Juiz (At 1:8-11). Ele consistirá somente nos redimidos (Gl 5:21), que serão exaltados, serão reis e sacerdotes; eles acentar-se-ão em tronos, julgarão os anjos, reinarão com Cristo, participando de seu domínio e glória. Este reino será eterno e pleno (Lc 21:31), a Páscoa então se consumará e será feita a refeição escatológica (Lc 22:14,17). É este Reino escatológico que os fiéis são chamados a herdar (Mt 25:34). O corpo natural dos santos, então, se tornará espiritual (1 Co 15:50; cf. 6:10; Gl 5:21; Ef 5:5).
            A respeito do Reino vindouro, uma coisa nos chama a atenção. Paulo fala aos coríntios de diversos tipos de corpos: celestiais e terrestres (15:40), o natural e o espiritual (v. 44). Sobre o corpo terrestre e natural, ele usa os termos: corrupção e desonra (v. 42) e fraqueza (v. 43). Ele é alma vivente (v. 45), terreno, pois foi formado da terra (v. 47). Este corpo corruptível não pode herdar o Reino de Deus (v. 50), por isso ele será transformado (vs. 51-58). No momento em que nosso corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, a morte finalmente será tragada (vs. 54, 55). O corpo que será revestido de glória, que entrará triunfante nos céus para morar no Paraíso celestial com o Senhor é um corpo que ainda é mortal, sujeito à morte e à corrupção. Este corpo físico e mortal para nada serve no Reino dos Céus, onde só entre o corpo espiritual e sua imortalidade. Enquanto presentes neste mundo, porém, nossa alma imortal continua a habitar em nosso corpo mortal. A escatologia resolve o problema do pecado e da morte futuras – sua total erradicação – mas não pretende resolvê-lo hoje. O físico continua a existir e a fazer parte de nós, tanto no tocante à morte e o pecado, quanto às necessidades fisiológicas, psicológicas, cognitivas, sociais e espirituais deste corpo.
            O Reino de hoje nos traz esperança no amanhã; de igual modo, o Reino de amanhã nos traz esperança hoje. O pecado de Adão e Eva poderia ter frustrado a esperança, mas Deus providenciou a salvação através do seu amado Filho, Jesus Cristo (Jo 3:16), o qual se deu amorosamente para nos reconduzir ao Pai. Em Cristo temos a certeza do perdão de Deus e a oportunidade graciosa de vivermos novamente para Ele (cf. 1 Tm 2:1-7). Viver em Cristo nos faz suportar o fardo dos problemas cotidianos por sabermos que nossa luta neste mundo é passageira. Também nos dá a certeza de que nosso trabalho não é em vão, que existe um sentido eterno e escatológico em tudo o que fazemos: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na boa obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é em vão” (1 Co 15:58). A vitória de Cristo nos dá esperança no amanhã, que vai além da nossa visão limitada: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1 Co 15:19). Seja na fé para a salvação, seja na boa obra do Senhor, a nossa existência, em Cristo, aponta para o Reino eterno nos céus.
            Os críticos da Missão Integral mantêm o foco da sua pregação e do seu ministério na salvação das almas. Aprendemos aqui, porém, que a salvação da alma é apenas um dos elementos da vida cristã. O Reino escatológico se concretiza no aqui e agora da Igreja. De fato esperamos a volta do Senhor e a vida eterna nos céus. Mas o que fazer enquanto estamos esperando? Escrevendo a Tito, o apóstolo Paulo nos revela qual é a nossa obra. Paulo não era apenas salvo, mas “servo” e “apóstolo” (enviado com um propósito sob a autoridade de quem o enviou). Ele era um “promotor da fé” (1:1). Em 2:11-15 ele nos revela uma fé que envolve salvação, transformação do caráter, vida justa e piedosa, esperança escatológica, boas obras e autoridade pastoral:

Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras. Dize estas coisas; exorta, repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze (grifos nossos).

            Percebe-se que, embora a esperança do cristão esteja na vinda do Senhor, a sua vida está “no presente século”, onde ele deve ser “zeloso de boas obras”. A esperança no Reino escatológico transforma o nosso caráter e as nossas atitudes hoje. No capítulo três, novamente o apóstolo liga a salvação e a escatologia à necessidade da prática de boas obras para “os que têm crido em Deus” (3:8), derrubando de vez a teoria “sentados, salvos e satisfeitos”: “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas [veja 3:1-7], façais afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens” (v. 8, grifo nosso). Interessante notar que Paulo não afirma que essas coisas são excelentes e proveitosas a Deus, mas “aos homens”. As obras feitas em Cristo são para proveito das pessoas.
Ainda outro texto paulino, Efésios 2:1-10, também apresenta a relação do sacrifício vicário de Cristo e a salvação escatológica com a prática das boas obras (v. 10). Se no v. 6 é dito que Cristo ressuscitou para que assentássemos nos lugares celestiais, no v. 10 fica bastante claro que o objetivo desta salvação ainda a se concretizar no porvir (o Reino escatológico de Deus) também é gerar boas obras na vida do cristão “hoje”. Se no v. 7 é dito que, nos “séculos vindouros” (i. é, depois da segunda vinda de Cristo), Deus há de mostrar a “suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco, em Cristo Jesus”, no v. 10 também nos é dito que fomos criados “em Cristo” para as boas obras preparadas de antemão para que andássemos nelas. O Reino que era, o Reino que é e o Reino que há de vir fundem-se numa única realidade escatológica que demonstra a soberania de Deus desde a eternidade até a eternidade.

O Reino futuro dos céus não somente nos traz uma esperança hoje, como também nos coloca como embaixadores desta esperança para o mundo. O Reino futuro será espiritual, universal e pleno, sendo anunciado no Antigo Testamento por meio de diversas profecias (cf. Sl 72; 89:20-29; IS 11:1-9; 65:17; 66:24; Zc 14:9-11). E breve a comunhão entre Deus e os seus filhos será restabelecida e o Senhor reinará com justiça eternamente (cf. 1 Co 15:24-28; 2 Pe 3:10-13; Ap 11:15). Novamente devemos perguntar: o que fazer enquanto esperamos? Viver de maneira espiritual, universal e plena o Reino aqui na terra. Existe possibilidade de não ser espiritual o cuidado amoroso pelos os oprimidos e miseráveis? A falta deste cuidado, a indiferença e a omissão não afetam de maneira alguma a nossa espiritualidade? O amor de Deus é restrito aos convertidos ou é universal? Ele se restringe à oferta de salvação ao pecador ou também se traduz em misericórdia para com os famintos? Como falar em plenitude do Reino se só ficamos com um aspecto só, o que nos interessa? Pode-se falar de um Reino pleno enquanto a Igreja se nega a defender a justiça do Reino que tanto prega?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A MISSÃO INTEGRAL E O AMOR COMO PRESSUPOSTO




ESTE TEXTO FAZ PARTE DO MEU LIVRO "MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS".

As discussões sobre fazer ou não o bem ao próximo, mesmo aos que não são cristãos, não pode girar em torno de debates sobre a corruptibilidade do mundo ou a iminente volta triunfal do Senhor Jesus Cristo. Isto é diminuir o valor do Evangelho e limitar o alcance do Reino de Deus. O ideal de Deus para a humanidade é bem mais abrangente e pode ser visto em toda a extensão das Escrituras. O Evangelho de Mateus nos mostra um embate teológico entre os fariseus e Jesus Cristo acerca de qual seria o grande mandamento da Lei (22:34-40). Segundo comentário da Bíblia Shedd para a inquirição dos fariseus, eles haviam abstraído do Antigo Testamento nada menos que 248 preceitos afirmativos, além de 365 negativos. Talvez a resposta do Senhor Jesus aos fariseus em sua dialética racional deva responder à dialética teológica que gira em torno da Missão Integral: a igreja deve se preocupar apenas com a salvação da alma ou precisa levar em conta, em sua evangelização, o corpo onde essa alma habita?
A resposta contundente dada pelo Senhor a respeito do amor a Deus e ao próximo como os pilares nos quais se sustentam a Lei e os Profetas, é também a chave de entendimento da veracidade da Responsabilidade Social que a igreja deve praticar. O mandamento é o amor e é o amor que nos identifica como discípulos de Cristo, como filhos de Deus e seus servos (cf. Jo 13:34; 14:15; 1 Jo 2:3-7). O apóstolo João escreveu: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor” (2 Jo 6). O versículo 4 fala a respeito de andar na verdade “de acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai”. E este mandamento é o amor. Logo, obedecer aos mandamentos significa praticar o amor. Se amamos, nossos atos serão atos de amor e esses atos serão legitimados pela Palavra de Deus como atos de justiça.
Até aqui podemos perceber que a vida cristã não é um conjunto intricado de doutrinas e definições eruditas da fé. Ela não é também construída com base em pressupostos humanos de santidade ou práticas meramente litúrgicas. Como se verá em todo percurso deste estudo, o cristianismo verdadeiro não é um cristianismo de debates teológicos, como era a religiosidade dos fariseus, mas da prática dos mandamentos de Deus que encontram no amor a sua mais perfeita legitimação. A teologia que a igreja tanto tem esquecido e que deveria perseguir ferrenhamente é a teologia prática, cujo sustentáculo é o amor.
Mas que amor? Ao lermos os textos bíblicos sugeridos anteriormente, nos deparamos com a expressão “uns aos outros”, o que é uma referência aos cristãos para os quais os textos foram primariamente direcionados. Isto poderia sustentar a tese de que o bem social deve ser feito apenas aos irmãos na fé. O amor de Deus, porém, demonstra-se incondicional. Quando a Bíblia fala de oprimidos, não deixa claro que eram oprimidos judeus ou cristãos; quando ela fala em socorrer o estrangeiro, está claro o cuidado de Deus com aqueles que não faziam parte do seu povo. Aprofundando ainda mais nas Escrituras, descobriremos que o povo de Deus, a princípio, era para ser muito mais abrangente que aquele que formava a nação de Israel e que se intitulavam judeus. Deus não disse a Abraão: “Em ti será bendito o povo que escolhi”. Ele disse: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Embora Deus tenha escolhido um povo para Si, esse povo deveria ser obediente e fonte de bênção para todos os outros povos. Da mesma forma que os judeus se fecharam em si mesmos, muitas igrejas tem-se fechado à necessidade de ser sal e luz no mundo, abençoando as pessoas com o amor que emana do coração daquele que se entrega a Jesus.
O missiólogo Larry. D. Pate (1994, p. 8) escreve: “O Senhor mostrou favor para com o povo judeu, em parte por causa da fé que Abraão, o patriarca fundador dessa nação, possuía. Mas, o que é ainda mais importante, ele escolheu os israelitas para que participassem de modo especial de seu plano de redimir toda a humanidade”. A promessa feita a Abraão de através dele tornar benditas todas as nações encontrou sua concretização em Cristo. Por meio dele, todas as nações são abençoadas, todos os povos e etnias podem alcançar a salvação. Com a história do patriarca do povo judeu, aprendemos como Deus age sobre a história, como conduz os acontecimentos na vida do seu povo para o alcance de objetivos divinos definidos na eternidade. E com a vinda do Messias, com a redenção efetuada na cruz, Ele nos mostra que continua a agir na história, não somente “na” vida do seu povo, os cristãos convertidos pela fé a Jesus Cristo, mas também por meio deles, influenciando a vida das pessoas, sendo bênção a todos os povos por meio do mesmo amor com o qual Ele nos amou.
O Senhor Jesus Cristo nos deixa bastante claro que a prática do amor extrapola as barreiras de fé e se estende mesmo àqueles que para nós são dignos de desprezo. Ele enfatizou: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem... Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos o mesmo?... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:43-48). Vale salientar que a expressão “odiarás o teu inimigo” não pertence ao Antigo Testamento, mas à tradição popular dos judeus (SHEDD). Em contraponto ao amor segregacionista dos judeus, Jesus mostra a forma perfeita de amar: sendo perfeitos iguais a Deus, cujo amor é universal. Quem é de Cristo não limita a prática do seu amor aos que fazem parte do seu círculo familiar e de fé, mas tem no amor universal sua fonte de piedade.

Está claro que aquilo que deve mover o cristão na busca pela Missão Integral e pela prática da Responsabilidade Social não é a crença na predestinação, na degeneração total da humanidade, no triunfo final de Jesus Cristo ou em teorias milenaristas, mas a prática do amor de Deus. Então não importa quando Jesus voltará e como Ele o fará; não importa se as pessoas que forem os alvos da ação amorosa da igreja aceitarão ou não o Evangelho para terem sua alma salva; não importa se esta ação transformará ou não o mundo num paraíso terrestre. Importa apenas que os filhos de Deus, os discípulos de Cristo, os templos do Espírito Santo têm um dever moral de se importarem com o sofrimento dos outros, movidos simplesmente pelo amor, pela insatisfação diante das injustiças que no mundo há, diante das lágrimas de pais e mães de famílias que choram ao verem seus filhos minguarem de fome e de doenças, de famílias inteiras destruídas pelas drogas e devoradas pela criminalidade. Se o coração do cristão iluminado por Deus não arder de amor por essas pessoas, o de quem arderá?