sexta-feira, 31 de maio de 2013

SANTIDADE: canonização pós-morte ou obra do Espírito Santo?




1 Santidade na Igreja Católica Romana


            O que lhe vem à mente quando você ouve a palavra “santo” ou quando alguém lhe diz que fulano de tal é “santo”? Com base na cultura católica vigente no nosso país, falar em santo significa falar de alguém que já morreu, acima de tudo uma personagem católica que viveu uma “vida santa” e piedosa, praticou boas obras, viveu em estado de pobreza, foi humilde, foi serva de Deus e da igreja católica ou foi martirizada, como os mártires de Cunhaú e Uruaçú, no Rio Grande do Norte. Além disso, além de terem vivido essa vida santa, após a sua morte, para que sejam chamados de “santos” e mereçam a veneração dos seus fiéis, essas personagens precisam ter alguma graça alcançada em seu nome, comprovada pelo Vaticano. Alguém precisa ter sido curado ou alcançado outro tipo de milagre comprovadamente após ter invocado a sua intercessão.
            Devido a essa crença, ninguém pode ousar se autodenominar “santo”, sob o risco de parecer arrogante ou blasfemo. Você pode ser uma pessoa de grandes qualidades espirituais, mas ser “santo” não é para muitos. É preciso muito esforço, abnegação, altruísmo, sacrifícios. A igreja católica não nega a santificação do crente pela graça de Deus em Cristo, como também não nega a necessidade que todos temos de nos santificarmos diante de Deus. Mas os santos propriamente ditos, aqueles que poderiam dizer de si mesmos “Eu sou santo”, são aqueles que a igreja declara a sua canonização. Esses santos, por sua vida de santidade, merecem regalias que os santos vivos não têm acesso. Assim ensina o Catecismo da Igreja Católica (n. 828):

Ao canonizar certos fiéis, isto é, ao proclamar solenemente que esses fiéis praticaram heroicamente as virtudes e viveram na fidelidade à graça de Deus, a Igreja reconhece o poder do Espírito de santidade que está em si e sustenta a esperança dos fiéis, propondo-os como modelos e intercessores.

            Após devidamente canonizado pela igreja, este santo ou santa poderão não somente ser invocado pelos fiéis, como também venerados, cultuados, festejados, inclusive as suas imagens e relíquias, podendo essas imagens serem expostas à veneração popular. Assim ordena o Vaticano II (n. 706):

Os Santos sejam cultuados na Igreja segundo a tradição. Suas relíquias autênticas e imagens sejam tidas em veneração. Pois as festas dos santos proclamam as maravilhas de Cristo operadas em Seus servos e mostram aos fiéis os exemplos oportunos a serem imitados.

            Além do inconveniente de expor imagens de pessoas à adoração pública, que, muito embora a igreja católica previna esse comportamento e o condene, mas que acabam virando objetos de idolatria, existe outro inconveniente por trás da canonização dos mortos. Isto cria uma casta de seres humanos especiais que parecem estar acima dos simples mortais. Apesar de afirmar que a vida santa dos homens e mulheres canonizados possui relação com a atuação de Deus, não é isso que fica patente. Praticar algo heroicamente demonstra claro mérito nas obras que eles praticaram. Isto é, seus esforços heroicos permitiram que esses santos vivessem fielmente. Em suma, o seu processo de santidade foi algo que contou com sua participação ativa, com seus méritos, seus esforços, seus atos, suas ações.
Muito pior é o fato de eles, por terem vivido uma vida santa, merecerem cultos e festas, merecerem a confecção de imagens de escultura de sua pessoa e a adoração aos seus objetos pessoais ou aos seus restos mortais. Ainda mais terrível: eles são chamados de santos porque, por sua intercessão, algum milagre foi realizado entre os vivos. Além de apoiar a crença na comunhão dos santos – que envolve também as indulgências, o purgatório, as missas – o conceito de santidade da igreja católica romana aproxima os fiéis das práticas espíritas de consulta aos mortos e das práticas pagãs de adoração e deuses e entidades espirituais, guias ou animais, como os atos e a vaca. Em meio a tudo isso, a ideia bíblica de santidade fica completamente distorcida e perdida em meio a tantos equívocos.
            Existem muitos motivos para essa doutrina católica de santidade e canonização. Em primeiro lugar há o conveniente de manter o controle sobre o Espírito Santo e sobre os fiéis. Como vimos na citação do Catecismo, o poder do Espírito de santidade está na igreja católica. Da mesma forma como não há salvação fora da igreja católica, longe dela também não pode haver santos ou santidade. Em segundo lugar está o equívoco teológico, hermenêutico, e este proposital. Vê-se um pequeníssimo exemplo desse equívoco no próprio Catecismo, que absurdamente prevê “A purificação final ou purgatório” (1030), com as seguintes palavras:

Os que morreram na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu.

            A ideia absurda da existência do purgatório parte primeiramente de uma interpretação equivocada de Mateus 12:32, que afirma: “Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir”. Ao que o Catecismo declara (n. 1031): “Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro”. Certamente não foi isso que Jesus falou e em qualquer parte da Bíblia vemos esse ensino equivocado dos papas. Essa “dedução” é uma interpretação forçada. O que o texto bíblico diz claramente é que não existe perdão pela blasfêmia contra o Espírito, mas não deixa margem para afirmar-se que outros pecados podem ser perdoados no porvir, acima de tudo após a morte do pecador.
            Em primeiro lugar, com relação aos crentes, isto é, os que sinceramente se converteram a Jesus Cristo pela graça de Deus, por meio da fé, já têm todos os seus pecados perdoados e não sofrerão condenação alguma (cf. Romanos 8:1). Em vida já aceitaram a Jesus e podem descansar em paz na esperança da glória futura. Em segundo lugar, a existência do purgatório e a sua relação com a santidade dos fiéis suscitam algumas questões: Então o sangue de Cristo não nos purifica de todo pecado? Ser lavado e remido no sangue do Cordeiro não é suficiente para nos levar seguros até a morada celestial por Ele preparada para seus fiéis? Então a santidade e a purificação, além de serem meritórios, podem ser transferidas mediante as boas obras de terceiros? É preciso buscar respostas na Bíblia.


2 A verdadeira santidade


            Para o protestantismo, vale aquilo que a Bíblia apresenta em seu conteúdo inefável sobre o tema, independente do que reza a Tradição católica romana. A princípio é preciso saber que somente é possível alcançar a santidade enquanto vivos, pois após a morte segue-se o juízo (Hebreus 9:27). Esta santidade não exclui o pecado da vida do cristão, pois ele continuará habitando em um corpo sujeito ao erro, com um coração sujeito às mais diversas tentações. Mas a sua santidade, o seu compromisso com Deus é que dirá que tipo de caráter ele possui: carnal ou espiritual. Se carnal, certamente necessitará ainda de crescimento espiritual, o que lhe é dado através do Santo Espírito, o mesmo que santifica.


2.1 Natureza da Santificação


            “Santificação”, “santidade” e “consagração” são sinônimos, bem como “santificar” e “santos”. Mas o que significa “santo”? Significa que a pessoa tem uma vida espiritual acima da média geral? Significa que a pessoa não mais comete pecados? Conforme podemos ver através de toda a Escritura, a palavra “santo” tem cinco sentidos:

1.    Separação: “Ser santo” significa “ser separado”. Quando nos tornamos filhos de Deus através da fé em Cristo Jesus, somos separados do mundo por Deus para servir a Ele. Esta santidade reflete a Santidade de Deus, que está separado de tudo aquilo que diz respeito ao mundo. É isto que simboliza o batismo: separação do mundo, um novo nascimento. A santidade de Deus demonstra ainda a sua perfeição moral, e o santo, ainda que pecador, busca viver esta perfeição através da prática dos mandamentos de Cristo, movido pelo Espírito Santo.

2.    Dedicação: Aquele que é separado é separado para alguma coisa, algum fim. O santo é separado do mundo para dedicar-se a Deus, à prática da sua Palavra. Lemos em Efésios 2:8-10 que somos salvos com um propósito: dedicar-nos à obra de Deus, por meio de Cristo. Como dedicar-nos ao serviço de Deus estando mortos? Para o catolicismo romano os santos continuam sua “caridade” no céu intercedendo pelos que ainda peregrinam na Terra, olhando por eles e auxiliando-os em suas fraquezas e problemas. Mas essa é uma doutrina que não existe na Bíblia.

3.    Purificação: Aquele que se dedica a Deus deve estar limpo, da mesma forma que era limpo tudo aquilo que, na Antiga Aliança, seria usado para o serviço divino. Somos santificados na medida em que o caráter de Deus age sobre o nosso, tornando-nos participantes da sua natureza. Limpeza não significa santidade, mas é uma condição para ela. Não podemos nos aproximar de Deus sem estarmos purificados. E quem nos purificará? No Antigo Testamento os objetos para uso no altar eram purificados através de azeite (Êxodo 40:9-11). A nação de Israel necessitava de sacrifícios para ser purificada de seus pecados (Êxodo 24:8; Hebreus 10:29). Mas estes sacrifícios da Antiga Aliança foram aperfeiçoados em Jesus Cristo, através do seu sangue derramado para nos santificar (Hebreus 13:12). Deus Pai nos santifica em tudo (1 Tessalonicenses 5:23) para um sacerdócio espiritual (1 Pedro 2:5) pela mediação de seu Filho, Jesus (1 Coríntios 1:2,30; Efésios 5:26; Hebreus 2:11), por meio da Palavra (João 17:17; 15:3), do sangue (Hebreus 10:29; 13:12) e do Espírito Santo (Romanos 15:16; 1 Coríntios 6:11; 1 Pedro 1:2). Esta purificação é interna e não se dá através de rituais com água benta, incenso ou mortificações. É operada pelo Espírito Santo e não pelas mãos do sacerdote. Isto significa que o Espírito da Nova Aliança substitui de maneira perfeita e definitiva o ofício do sacerdócio da Antiga Aliança.

4.    Consagração: Aquele que se santifica é consagrado a Deus, isto é, vive uma vida santa e justa. Enquanto a justiça representa uma vida regenerada em conformidade com a lei divina, a santidade aponta para uma regeneração em conformidade com a natureza divina (1 Pedro 1:15). Aqueles que são declarados santos (Hebreus 10:10) são exortados a seguir a santidade (Hebreus 12:24); aqueles que foram purificados  (1 Coríntios 6:11) são exortados a purificar-se a si mesmos (2 Coríntios 7:11). Isto quer dizer que consagração é uma busca constante pela perfeição; é um viver sempre em acordo com a Palavra de Deus. Quer dizer também que um indivíduo não pode pretender esta purificação após a sua morte, através do purgatório, como se este lugar substituísse o mover do Espírito Santo no coração do homem.

5.    Serviço: Através da santificação da Nova Aliança, nos tornamos sacerdócio real, nação santa e por isso devemos oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus (1 Pedro 2:9,5); sacrifício de louvor (Hebreus 13:15) e sacrifícios vivos sobre o altar de Deus (Romanos 12:1). Se somos servos de Deus não devemos permanecer apenas como crentes nominais, como milhões de católicos e evangélicos, mas nos colocar a disposição do seu serviço (Atos 27:23). Este sacrifício não é o “sacrifício eucarístico”. Neste último oferece-se a Deus o sacrifício de seu Filho perpetuamente, outro equívoco católico.


2.2 O tempo da santificação


            Uma das maiores críticas aos protestantes é que, assim que se convertem, “acham que já são santos”. Antes viviam uma vida dissoluta, em bebedeiras e orgias sexuais, agora “só querem ser santos”. As pessoas que assim acusam os crentes protestantes, dizem que todos são pecadores e que não existe nenhum santo. Realmente, nenhum crente com o mínimo de conhecimento bíblico negará o fato de que todos somos pecadores (Romanos 3:23). Mas nenhum também se negará em dizer Sou santo em Cristo Jesus. E esta santificação não ocorre num tempo que se chama pós-morte, mas num tempo que se chama agora! É o que podemos ver a seguir.


1.    Santificação posicional e instantânea: O apóstolo Paulo descreve a todos os crentes como a “santos” e como já santificados (1 Coríntios 1:2; 6:11), embora muitos deles insistissem em viver ainda uma vida carnal (1 Coríntios 3:1; 5:1,2,7,8), distante do ideal de Deus e da vocação santa à qual foram chamados. Esta santificação é outorgada ao cristão no momento da sua conversão, assim como a salvação. Não é algo a ser conquistado através de caridade e operações de milagres, mas provém do sacrifício de Cristo na cruz. Caridade qualquer pessoa pode fazer, mesmo sem crer em Deus e por motivos mesquinhos; milagres também.

2.    Santificação prática e progressiva: A separação inicial é apenas o primeiro passo de uma vida de santidade dedicada a Deus e a sua obra. Desta separação para Deus em Cristo Jesus surge a responsabilidade de um viver condizente com a fé que é professada. Mas não progredimos até alcançar a santificação; progredimos na santificação da qual nos tornamos participantes em nossa conversão. Esta santificação é posicional, pois envolve mudança de posição (de pecador a adorador) e prática porque ela exige uma maneira santa de viver. O crente carnal (1 Coríntios 3:3) é convocado à purificação até alcançar a perfeição. Aqueles que foram tratados como santificados e santos (1 Pedro 1:2; 2:5) são exortados a serem santos (1 Pedro 1:15). Quando nos convertemos, morremos para o pecado (Colossenses 3:3) e portanto devemos mortificar nossos membros pecaminosos (Colossenses 3:5). Se nos despimos de velho homem (Colossenses 3:9) devemos nos revestir do novo (Efésios 4:22; Colossenses 3:8).


2.3 Meios divinos da santificação


            Como vimos no início, a igreja católica romana impõe algumas condições para que a pessoa possa ser chamada de santa. Normalmente são considerados santos, por esta doutrina infundada, somente aqueles que já morreram e foram canonizados. Em vida certamente foram pessoas piedosas, viveram uma vida casta, dedicada ao próximo e desapegada das coisas mundanas. Mas até mesmo os muçulmanos, que não professam a mesma fé que nós, podem viver assim, ou os espíritas, os ateus. A santidade não é algo que façamos por merecer, não é uma condição que depende de nossos esforços e obras de caridade. Também não é santo aquele que é piedoso. Muitos piedosos são ateus. Santidade é algo que parte de Deus e tem a ver com o mover do Espírito Santo em nosso ser, nos moldando conforme a vontade de Deus.
            Portanto, os meios de santificação não fazem parte de um conjunto de condições humanas, mas divinas. O papel do homem é se entregar à vontade de Deus e permitir que Ele trabalhe em sua vida e seu caráter. E quando o homem permite que isso aconteça, é porque o Espírito Santo já está trabalhando em seu interior. Os meios divinamente estabelecidos para a santificação são três:

1.    O sangue de Cristo: Este é um meio eterno, absoluto e posicional que proporciona uma santificação absoluta diante de Deus (Hebreus 13:12; 10:10,14; 1 João 1:7). A santificação é resultado da obra de Cristo, isto é, a redenção efetivada na cruz do Calvário, através do seu sacrifício vicário. Através da redenção, somos santificados e purificados, livres da condenação eterna e chamados à presença de Deus, unidos a Ele pelo seu Filho e o Espírito Santo da promessa (Hebreus 2:11). Embora santificados e em comunhão com Deus, podemos cair em tentação, mas a santificação é contínua e o sangue de Cristo nos purifica de todo o pecado (1 João 1:7). A confissão de fé e o eterno sacrifício de Cristo removem a barreira da impureza que nos impede de chegar até Deus (1 João 1:9). A renovação do sacrifício de Cristo através da Eucaristia demonstra um sacrifício imperfeito de Jesus e, por conseguinte, uma santificação imperfeita da parte de Deus, pois há uma necessidade de constante e diária renovação.

2.    O Espírito Santo: O Espírito Santo produz uma mudança interna na natureza do homem (1 Coríntios 6:11; 2 Tessalonicenses 2:12; 1 Pedro 1:1,2; Romanos 15:16). É o Espírito Santo que nos identifica como separados para Deus. Ele é o selo que nos autentica. Não nossos esforços, nossas rezas, Maria, os santos, o rosário, mas o habitar da terceira Pessoa da Trindade em nosso coração. Os povos gentios eram desprezados por não andarem de conformidade com a lei mosaica, mas o Espírito de Deus desceu sobre eles na casa de Cornélio, não restando mais dúvidas que eles eram santificados pelo Espírito Santo, independente da lei (Romanos 15:16). Se fôssemos santificados por nós mesmos, de que adiantaria o Espírito Santo? De que nos valeria o sacrifício de Cristo?

3.    A Palavra de Deus: A santificação através da Palavra de Deus é um meio externo e prático, que diz respeito a vida prática do cristão (João 15:3; 17:17; Efésios 5:26; Tiago 1:23-25; Salmo 119:9). A Palavra de Deus confronta-nos com nossos pecados, nos mostra o quanto somos impuros e nos dá um caminho certo a ser seguido. É nela que encontramos as doutrinas sobre Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo e sobre a salvação. Ela aponta para uma vida renovada e um proceder reto diante de Deus; ensina-nos sobre amor e perdão e sobre todas as coisas que devemos saber para viver de forma santa nesta vida. Ela, também, aponta para outra vida, a vida eterna. A Palavra de Deus serve como espelho para nossa alma, uma vez que fomos regenerados e lavados (Tito 3:5; Tiago 1:22-25). É impossível haver santidade sem a Palavra Santa do Deus vivo.


2.4 O verdadeiro método de santificação


            Além daquelas ideias totalmente errôneas do catolicismo romano sobre santificação, ainda encontramos mais três: a) erradicação do pecado, o que é impossível do ponto de vista humano e improvável do ponto de vista divino. Só estaremos livres do pecado quando estivermos na glória com Deus; b) legalismo, isto é, observância de regras e regulamentos, como os monges. Paulo nos ensina que nada disso serve para a nossa santidade (Romanos cap. 6), assim como também não pode nos justificar (Romanos cap. 3); c) ascetismo, que é tentar subjugar a carne e alcançar a santidade através de privações e sofrimentos, método que a maioria dos católicos romanos aprecia, também os hindus ascéticos. Mas é a alma e não o corpo que peca. Este é um trabalho do Espírito Santo.
            O método verdadeiro e bíblico baseia-se na obra redentora de Cristo e na atuação do Espírito Santo na vida do crente salvo. A libertação que ele tanto necessita das obras da carne só pode ser alcançada através de uma negação de si mesmo e uma total entrega às mãos do oleiro, que é Deus. Para negar estas verdades e impor seu sistema de indulgências, cuja finalidade sempre foi arrecadar fundos para as dioceses, o catolicismo romano jamais poderia fazer uso somente da Bíblia somente, por isso inventou a Tradição. Biblicamente, o verdadeiro método de santificação é:

1.    Fé na expiação: A obra de santificação acontece da mesma maneira que ocorre a salvação: pela fé. Os judeus, para justificarem-se diante de Deus dos seus pecados e para expiá-los, faziam constantes sacrifícios. Mas eram sacrifícios externos que não podiam mudá-los internamente. Com a Nova Aliança, a graça de Deus tomou o lugar da lei, de modo que pela lei ninguém pode ser justificado, mas pela graça que atua através da fé (Efésios 2:8,9). Esta fé, sem obras, poderia, segundo acusavam alguns, levar a pessoa a continuar na prática do pecado (Romanos 3:8; 6:1), mas Paulo afirma que os que morreram para o pecado devem viver segundo a graça, procurando não pecar mais (Romanos 6:2). A nova vida em Cristo Jesus (Mateus 6:24) exclui a possibilidade de uma vida de pecado, mas cobra uma vida nova, um novo proceder (Romanos 6:4). Ora, aquele que está morto[1] está justificado do pecado (Romanos 6:7). Aquele que está morto para o pecado, deve viver para Cristo (Romanos 6:9-11). Esta é uma obra que não parte de nós, mas da expiação de Cristo na cruz. Pelas suas feridas fomos sarados (1 Pedro 2:24), de modo que não há nada que façamos que nos justifique a nós mesmos, já que já fomos justificados. Ele morreu por nós sendo nós ainda pecadores (Romanos 5:8).

2.    Cooperação com o Espírito: Como já temos visto, é impossível que pela lei mosaica o homem seja justificado. Os católicos não seguem esta lei, mas criaram um conjunto de outras regras e dogmas para a justificação e a santificação, começando pelo batismo e pela caridade e culminando com a criação do Purgatório. O livro de Romanos trata sobre este assunto e assegura que pela lei nenhum homem será justificado. Não que a lei de Deus seja má, mas ela pode causar a inclinação pecaminosa da natureza humana. Paulo indica, na epístola aos Romanos, capítulo 7, que a lei revela o fato (v. 7), a ocasião (v. 8), o poder (v. 9), a falsidade (v. 11), o efeito (v. 10,11) e a vileza do pecado (vs. 12,13). O próprio Paulo, antigo observador cativo da lei, reconhece-se como miserável (v. 24, vide 6:6) e agradece por agora estar debaixo da lei de Cristo, que é a lei da graça (v. 25). Nós estamos mortos no pecado, isto é, condenados (Efésios 2:1; Colossenses 2:13), separados de Deus, e necessitamos morrer para o pecado, isto é, a santificação (Romanos 6:11), através de Cristo que morreu pelos nossos pecados (2 Coríntios 5:14; Gálatas 2:20). Morrer para o pecado não é uma obra que possamos realizar através de rezas, sacrifícios e mortificação ou indulgências, mas é uma obra realizada pelo Espírito Santo de Deus (Romanos 8:13). Esta obra conta com a nossa cooperação: viver e andar no Espírito, permitir que Ele atue, sem apagá-lo ou relegá-lo ao segundo plano em nossas vidas, dando mais ênfase ao ego e ao mundo. Cooperar com o Espírito Santo significa permitir que Deus opere sua vontade sobre a nossa vontade, suas decisões sobre as nossas decisões. Todavia, não é uma sinergia entre nós e Deus, mas só nos entregamos ao Espírito movidos pelo próprio Espírito.



2.5 Santificação completa


            Será que é possível para o homem alcançar a perfeição aqui na Terra? A resposta dependerá do que entendemos por perfeição. Os protestantes são acusados de quererem ser perfeitos, “santinhos”, julgando a todos os que não procedem da mesma forma. Para o catolicismo, ser santo pode significar uma perfeição tal como Maria alcançou, mesmo antes de nascer, por ser predestinada a ser mãe do Salvador. Mas se formos estudar profundamente o sentido de perfeição que a Bíblia ensina, veremos que em muito se distancia dos nossos padrões. Existe, segundo a Palavra de Deus, a possibilidade de sermos perfeitos, ainda que vivamos em um mundo de pecado.

1.    O significado de perfeição: A perfeição pode ser absoluta e relativa. Deus é absolutamente perfeito, pois não necessita ser melhorado em nada. Seus pensamentos e suas ações são sem erro. Ele é completo em todos os sentidos, por isso pode chamar-se de o Eu Sou. Deus é, não está sendo, se transformando para chegar a algum ponto de perfeição. Ao homem pertence a perfeição relativa. No Antigo Testamento, a palavra “perfeição” significa ser “sincero e reto” (Gênesis 6:9; Jó 1:1) e estava ligada ao desejo e determinação em fazer a vontade de Deus, apesar do pecado. Davi, mesmo com todos os seus erros, era um homem “segundo o coração de Deus”. No Novo Testamento, várias palavras são usadas para dar o sentido de perfeição: ser apto ou capaz para uma certa tarefa ou fim (2 Timóteo 3:17); algum fim alcançado por meio de crescimento mental ou moral (Mateus 5:48; 19:21; Colossenses 1:28; 4:12; Hebreus 11:40); um equipamento cabal (2 Coríntios 13:9; Efésios 4:12; Hebreus 13:21); terminar ou trazer a uma terminação (2 Coríntios 7:1); fazer repleto, cumprir, encher, nivelar (Apocalipse 3:2). Cada uma destas palavras deve ser usada dentro do seu contexto, mas todas elas indicam que há possibilidade de perfeição para o gênero humano. Esta perfeição – conforme o significado da palavra no Novo Testamento – é resultado da obra de Cristo por nós (Hebreus 10:14) e diz respeito a uma madureza espiritual em oposição às inclinações carnais (nossa infância espiritual: 1 Coríntios 2:6; 14:20; 2 Coríntios 13:11; Filipenses 3:15; 2 Timóteo 3:17). Ela é progressiva (Gálatas 3:3) e está presente na vontade de Deus, no amor ao homem e no serviço (Colossenses 4:12; Mateus 5:48; Hebreus 13:21). Mas a perfeição final do crente não é terrena; ela será alcançada somente no céu, onde não haverá mais necessidade de buscá-la, pois tudo será perfeito (Colossenses 1:28,22; Filipenses 3:12; 1 Pedro 5:10).

2.    Possibilidades de perfeição: A perfeição é efetivada em nós através do perfeito sacrifício de Cristo e da sua perfeita graça e justiça. Os sacrifícios da lei mosaica eram imperfeitos, incapazes de purificar o homem de seus pecados. Mas Deus, que é perfeito, morreu para nos salvar e nos conduzir a uma vida em santidade, conforme a sua imagem e semelhança. Mas não são todos os teólogos e pregadores que sustentam esta verdade. Alguns acham ser impossível alcançar tal perfeição. Por outro lado, alguns ficam num lado extremo, achando que o crente não peca mais. A posição mais correta seria a de que a salvação é perfeita e definitiva, bem como a santidade, mas que o cristão deve desenvolvê-las no decorrer da sua vida, o que podemos chamar de “crescimento espiritual”. O Novo Testamento sustenta um nível moral elevado, sendo dever do crente – movido pelo Espírito Santo – buscar esta perfeição (Filipenses 3:12; Hebreus 6:1). Esta santidade entra em confronto com a nossa natureza pecaminosa, uma vez que agora temos, também, uma natureza espiritual (Gálatas 5:17). Em contradição a isto temos a doutrina romanista da canonização pós-morte. Depois que a alma deixa o corpo, como poderá pecar? Como poderá buscar equilíbrio entre a natureza humana e a divina? Como o defunto buscará um nível moral elevado num contexto onde já não existem níveis de relacionamentos humanos capazes de proporcionar crescimento moral e espiritual?


2.6 Santos pecadores


Mesmo justificados e santificados, ainda existe a possibilidade do pecado, por isso a necessidade de vigilância (Gálatas 6:1; 1 Coríntios 10:12). Quando nos convertemos não nos tornamos super-humanos, com superpoderes, mas humanos com poderes sobrenaturais que fazem guerra dentro de nós para que não façamos apenas o que for da nossa vontade. É isto que nos difere dos demais: o ser humano comum, descrente, tem em si somente a natureza pecaminosa, carnal, terrena. Quando convertidos, passamos a possuir, também, uma natureza espiritual, celestial, divina. É este fator que nos torna santos, independente de nossa potencialidade humana. Não nós, “os protestantes”, mas todo aquele que crê (João 3:16).
Por termos nascido em pecado (Salmo 51:5) não temos como nos livrar de nossa carne, que está sendo constantemente provada (Gálatas 5:17; Romanos 7:18; Filipenses 3:8). Nosso conhecimento não é completo, mas repleto de lacunas que bem podem ser preenchidas por pecado, mesmo fruto de ignorância. Ainda assim, podemos manter-nos firmes no propósito de não pecar, resistindo à vontade da carne e às investidas do inimigo (Tiago 4:7; 1 Coríntios 10:13; Romanos 6:14; Efésios 6:13,14), permitindo que frutifiquem em nós os frutos da justiça (1 Coríntios 10:31; Colossenses 1:10) para que possuamos a graça, o poder do Espírito Santo e a perfeita comunhão com Deus (Gálatas 5:22,23; Efésios 5:18; Colossenses 1:10,11; 1 João 1:7).
Deus sabe da nossa natureza, sabe que somos seres falhos, nascidos em pecado e, por isso, estamos constantemente errando, mesmo que nossas inclinações sejam santas (Salmo 103). Por isso Ele nos proveu de algo que superasse nossos erros, que estivesse acima da nossa capacidade de autojustificação, que não partisse de nós, mas dele: o sangue de Cristo, que nos purifica de todo pecado e nos leva limpos para entrarmos na Sua presença (1 João 1:7; Filipenses 2:15; 1 Tessalonicenses 5:23).
Se santidade significa ser separado para o serviço de Deus e cumprir os seus mandamentos, como poderíamos fazer estas coisas estando já mortos? Como servir a Deus dentro de nossas covas? Estando no céu, já não temos mais o que fazer, a não ser adorá-lo pelos séculos. Lá Ele não necessita da nossa ajuda para nada. Ele tem os anjos, que são seus mensageiros ocasionais, tem a sua Palavra entregue aos homens, tem o Espírito Santo e tem seu Filho, o Verbo que se fez carne, além de nós, vivos, seus ministros.


3 Conclusão

           
            Como pudemos ver, é impossível equilibrar o ideal bíblico de santidade com as doutrinas da igreja católica. Crer na tradição católica romana é rasgar a Bíblia para se entregar às teorias doutrinárias dos papas e seus doutores. Como já dissemos, existem razões para a igreja romana manter a sua crença na canonização dos santos, na santificação após a morte e na purificação efetuada pelo e no purgatório. Se o fiel parar para pensar, verá que a doutrina da comunhão dos santos envolve o ser humano em todas as fases da sua vida religiosa: batismo, primeira comunhão, crisma, casamento, ordem, unção dos enfermos e penitência. Isto é: os sacramentos. São os sacramentos católicos os sinais praticados pelas autoridades eclesiásticas que prendem os fiéis a uma dependência total da igreja, envolvendo a pessoa até mesmo após a sua morte, pois ela continuará dependendo da igreja, das missas, das rezas, para aliviar suas dores no purgatório. Nem no silêncio do seu túmulo o fiel católico estará livre da sombra dos papas.
            Que Deus, pela operação do Espírito Santo, conduza os fiéis católicos à luz da verdade de Cristo, à salvação oferecida pelo seu sangue, à santidade de vida, não de morte. Que este texto alcance aqueles que estão cegos pelo pecado e pela Tradição católica. Que ele alcance, também, os crentes protestantes que acham que não precisam buscar a santidade diária em Cristo.


Bibliografia:

PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo: Vida, 1997.


[1] Morto aqui não é no sentido de “falecido”, mas morto espiritualmente para o pecado: nascer de novo.

MIZAEL XAVIER

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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Purgatório: verdade bíblica ou falsa doutrina? - PARTE 4



Refutação à doutrina do purgatório


            Não é difícil tarefa refutar uma doutrina totalmente antibíblica, basta apenas recorrermos ao que dizem as Sagradas Escrituras sobre alguns temas chaves: a obra expiatória de Cristo e o perdão de Deus. Ambos concorrem para a nossa salvação, regeneração, santificação e purificação, bem como a nossa entrada segura no Reino de Deus, nos céus. Além disso, existem questões dentro da própria doutrina romanista difíceis de serem respondidas por seus próprios criadores, questões que vêm sendo evitadas porque elas mesmas servem, se respondidas, como refutação a tudo que vem sendo ensinado no decorrer dos séculos. Eis algumas:

1.    O purgatório é um lugar determinado (um espaço físico para onde as almas penadas vão) ou é apenas um estado de espírito em que se encontram os mortos?

2.    As penas do purgatório se devem ao fogo purificador ou à consciência do cristão morto de haver, em vida, ofendido a Deus e rejeitado a sua Palavra?

3.    Sendo o purgatório um lugar de purificação, o que purifica a alma é o fogo ou as orações, esmolas e missas oferecidas pelos vivos?

4.    Se o que purifica é o fogo, como se dará esta purificação visto o fogo ser físico e, tanto a alma como o seu pecado, espirituais? Se é um fogo no sentido figurado (espiritual?), como explicá-lo?

5.    Se as dores do purgatório excedem a essa vida a alma poderá ser melhor aperfeiçoada após a morte do que seria em vida?

6.    Enquanto vivos temos o Espírito Santo e a Palavra de Deus que nos aperfeiçoam, segundo consta na Bíblia. No purgatório temos as esmolas e orações dos santos ao nosso favor. Isto quer dizer que a purificação em vida através da Palavra de Deus e do seu Santo Espírito é insuficiente e que nossas obras podem substituí-las em favor das almas que penam e da nossa própria?

Embora responder a estes absurdos já se tornaria necessário para refutar-se toda a doutrina do purgatório e das indulgências em favor das almas que ali cumprem pena, podemos nos aprofundar um pouco mais nesta questão, abordando os argumentos a favor do purgatório e concluindo com aqueles que são contra.

Argumentos a favor do purgatório

            Os argumentos usados pelo catolicismo romano a favor do purgatório são baseados em alguns trechos bíblicos insuficientes, que demonstram apenas duas coisas: ou  a total falta de conhecimento dos doutores de Roma das Sagradas Escrituras, e/ou a sua perversidade escancarada. Como já dissemos anteriormente, ou cremos na Bíblia e deixamos de lado a doutrina do purgatório, ou cremos no purgatório e rasgamos a Bíblia. Os dois são excludentes. Ainda assim, a doutrina romanista está fundamentada nas seguintes provas:

1) O purgatório existe por causa dos pecados para a morte (1 João 5:16,17)

 A Bíblia afirma claramente que o estado de rebeldia contra Deus e contra a obra de Cristo na cruz pose estar tão avançado que a capacidade de arrependimento fique irremediavelmente perdida (cf. Hebreus 10:26-31; 12:7). Muito provavelmente, este estado de rebeldia deliberada pode ser o pecado de blasfêmia contra o Espírito contra o qual Cristo advertiu em Lucas 12:10, para o qual não existe perdão, de modo que não adiantariam quaisquer orações a favor do pecador. Se por acaso este pecador orasse a Deus pedindo que lhe perdoasse, já não estaria contra o Espírito, mas a favor dele, aí seu pecado não seria mais para a morte.
            Em Atos 5:1-11 encontramos dois personagens que, por seu pecado contra Deus, pensando que podiam mentir para o Espírito Santo, acabaram morrendo (morte física). Todavia, como em 1 Coríntios 5:5 e 11:30, há razões para crermos que os pecados para a morte não signifiquem uma morte física, mas espiritual. No caso de Ananias e Safira, eles já estavam mortos espiritualmente, não comungavam da mesma fé que os demais discípulos que venderam todos os seus bens e trouxeram todo o dinheiro arrecadado para depositar aos pés dos apóstolos. Quem rejeita o Evangelho está morto espiritualmente e só volta a viver quando o Espírito Santo o revive pela fé (cf. Apocalipse 3:1,2).
             De qualquer forma, o orar ou não orar que o apóstolo fala não diz respeito aos mortos, mas aos vivos. Ele também não deixa claro que pecados para a morte são esses. A morte simplesmente física como conseqüência do pecado não é explicação suficiente, visto que mesmo os santos tem de morrer fisicamente. Devemos crer que estes pecados levam realmente à morte espiritual, fruto da blasfêmia contra o Espírito Santo, do endurecimento de coração (cf. Hebreus 3:8,13; 4:7; Salmo 95:8).
            A igreja romana ainda faz distinção entre pecados leves, veniais, e pecados mortais, como se todo pecado não representasse uma ofensa contra Deus. Os fariseus consideravam o adultério um pecado terrível, passivo de morte por apedrejamento. Jesus foi mais além e disse que o simples olhar e desejar ter relações com uma mulher já se configurava um pecado contra Deus (Mateus 5:27,28). Quando os fariseus trouxeram-lhe uma mulher adúltera para que Jesus a condenasse, conforme a Lei de Moisés, ao apedrejamento por crime considerado tão hediondo entre eles, Jesus rebateu com a seguinte frase: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra” (João 8:7). Como todos ali eram pecadores, foram se retirando um por um[1]. Talvez nenhum deles tenha cometido jamais o crime de adultério, mas sabiam cada um dos seus pecados e sabiam que com eles tinham ofendido a Deus. Um fariseu poderia ter atirado um pedra dizendo: “Tenho pecado, mas o dela é maior que o meu!”, mas isso não aconteceu. Pecado é pecado, independente do tipo, a não ser, é claro, a blasfêmia contra o Espírito, que é um pecado sem perdão.
            Outro texto utilizado pelo catolicismo romano para sustentar tal doutrina é o de Mateus 5:25,26. Contudo, este texto de maneira alguma pode ser utilizado como prova da existência do purgatório. Se fosse, Jesus estaria ali fazendo alusão a este lugar de prisão temporária e purificadora. Mas como se explicaria que Ele não tenha tocado no assunto em nenhum outro texto, ensinamento, parábola? Jesus pregou o Evangelho da salvação para todo o que crê (João 3:16), falou do perdão de Deus (Mateus 12:31; Lucas 6:37), pregou o arrependimento (Lucas 13:3-5) e o Reino de Deus (Mateus 18:3; Lucas 12:31; 18:16; 19:12). Em momento algum formulou uma doutrina que desse origem ao sistema do purgatório, a um estado intermediário entre o céu e o inferno.
            Embora os doutores da igreja aceitem que Cristo tenha morrido pelos nossos pecados, para nos perdoar e nos reconciliar com Deus, insistem na existência do purgatório, contradizendo-se a anulando as Sagradas Escrituras que afirmam que o sacrifício de Cristo foi para sempre (Hebreus 10:14,15). Não há possibilidade para os santos que estão em Cristo Jesus perderem-se ou ainda terem de pagar alguma dívida, pois nenhuma condenação há para eles e toda a sua dívida ficou cravada na cruz.
            Ainda outro texto, segundo a doutrina romanista, atesta a necessidade do purgatório: 1 Coríntios 3:15. Ao lermos esta passagem das Escrituras Sagradas devemos lembrar que esta carta é endereçada “àqueles que foram santificados em Cristo Jesus” (1:21). Esta santificação é necessária para que nos apresentemos diante de Deus[2], puros, não pelas obras que fizemos, mas pelo sangue de Cristo (1 João 1:7; Apocalipse 7:14), para que possamos entrar no Santo dos Santos (Hebreus 10:9). Através deste sangue derramado na cruz do Calvário temos a remissão dos pecados (Efésios 1:7), podendo nos aproximar livremente de Deus, sem impedimentos ou intermediários, que não o próprio Cristo (Efésios 2:13).
            Existe grande incoerência no ensino romanista sobre o pecado. Todos nascemos sob o pecado original que faz separação entre o homem e Deus e é isso que Cristo veio restaurar. Na sua obra expiatória temos esta restauração, isto é, somos reconciliados com Deus por meio da fé na expiação pelos nossos pecados, tendo acesso garantido ao Paraíso celeste. Todavia, podemos cometer pecados durante o tempo que ainda estivermos nesta vida, neste corpo, pois somos carnais. Mas nosso pendor é para o Espírito e por isso podemos nos arrepender para que sejamos perdoados (1 João 2:1). Cristo é a propiciação pelos nossos pecados. Isto quer dizer que não precisamos mais pagar por eles, nem nesta vida nem na outra.

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. Nele também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que á a circuncisão de Cristo, tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os vossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojados os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz (Colossenses 2:8-15, grifo nosso).

            A doutrina romanista do purgatório é baseada em outra que afirma não existir a certeza da salvação, que todos estão fadados a ir para o inferno. Somente aqueles que viveram piedosamente, que permaneceram a vida inteira no seio da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, podem sonhar com o céu, necessitando ainda das orações, missas e esmolas em favor de si mesmos enquantos vivo e feita pelos seus entes queridos, após a sua morte. Em 1 Coríntios 6:9,10 o apóstolo Paulo lista uma série de pecados (impureza, idolatria, adultério, homossexualismo, etc.) praticados pelos cristãos, mas afirma: “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados, em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (v. 11). Isto significa que nossos pecados já foram tratados na “UTI” de Deus; fomos curados, purificados das feridas que maculavam nossa alma. Portanto não precisamos mais sofrer, pois Cristo já sofreu em nosso lugar (1 Pedro 2:21).
            O texto supracitado (1 Coríntios 3:15) fala da recompensa recebida por aqueles que fizeram suas obras em Cristo Jesus. O tema principal ali não é o pecado e a sua punição, mas o trabalho realizado e o seu galardão. O fogo mencionado no texto não é para purgar ninguém de seus pecados, mas para revelar e testar suas obras. Quando Cristo morreu na cruz disse: “Está consumado” (João 19:30) aperfeiçoando para sempre os que são santificados (Hebreus 10:14). Somente Jesus enfrentou o “purgatório” da cruz para nos purificar e nos livrar da condenação eterna (Romanos 8:1).

2) O purgatório existe porque há necessidade de além do arrependimento, reparação dos pecados cometidos:

 Os infalíveis bispos de Roma têm dupla incredulidade: 1) não crêem que o pecador possa realmente se arrepender de coração do pecado que cometeu; 2) não creem que Deus perdoa totalmente os que se arrependem sem lhes exigir algo em troca. Desta dupla incredulidade surgiu a doutrina de que, mesmo depois do pecado confessado diante de um sacerdote devidamente autorizado, o pecador necessita fazer algo para reparar o mal que causou. Assim se expressa o Concílio de Trento:

905. Devem, pois, os sacerdotes do Senhor, quanto lhes inspirar o espírito e a prudência, conforme a qualidade dos delitos e faculdades dos penitentes, impor-lhes satisfações salutares e convenientes, para que não se façam participantes dos pecados alheios, se por acaso dissimularem os pecados e usarem mais indulgência com os penitentes, impondo-lhes penitências demasiado leves por delitos muito graves (cfr. l Tim 5, 22). Atendam sempre a que a satisfação imposta não sirva somente para resguardar a nova vida e curar da enfermidade, mas também para vingança e castigo dos pecados passados. Porque os antigos Padres creem e ensinam que as chaves foram concedidas aos sacerdotes não somente para desatar, mas também para ligar (cfr. Mt 16, 19; 18, 18; Jo 20, 23) [cân. 15]. E nem por isso julgaram eles que o sacramento da Penitência é o tribunal da ira ou do castigo; da mesma forma como nenhum católico jamais entendeu que com estas nossas satisfações se obscurece ou diminui em parte a eficácia do merecimento ou a satisfação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a despeito dos Inovadores que dizem que a melhor penitência é a nova vida, e assim tiram toda a virtude e uso da satisfação [cân. 13].

            Para os católicos romanos, Deus nunca está satisfeito. Ele sempre necessita nos ver sofrendo para pagar pelas nossas penas. Para eles o sacrifício de Cristo não foi suficiente, é necessário o nosso próprio, como se fosse possível salvar-nos a nós mesmos, reparando o erro que cometemos. Ora, a expiação efetuada por Cristo já foi para reparar o erro cometido por Adão e Eva ao rebelarem-se contra Deus! Em Cristo temos a nossa reparação.
            Um dos textos utilizados para garantir a veracidade de tal doutrina é Joel 2:12. Todavia, o que se vê aqui não é uma reparação pelo pecado, mas uma forma apresentada por Deus para o arrependimento daquelas pessoas. Deus não pede que se arrependam de seus pecados e depois jejuem e orem para reparar o mal que fizeram. O que ele pede é que o arrependimento seja “acompanhado” de choro e jejum como sinal de tristeza por causa do pecado. Deus não é vingativo como supõe o texto citado acima do Concílio de Trento. Quando Ele olha para o homem, embora se desagrade dos seus pecados, olha sempre com olhar de misericórdia, disposto a perdoar e esquecer.
            Contra este argumento romanista temos o belíssimo Salmo 103, que é um hino à misericórdia de Deus. Aqui o rei Davi mostra um Deus que perdoa todas as transgressões (v. 3) e faz justiça (v. 6). Ele é misericordioso, compassivo, benigno e não nos repreende perpetuamente (vs. 8,9). Embora sendo pecadores, Ele não nos trata segundo os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades (v.10). Ao contrário do que prega o catolicismo romano, a sua misericórdia é infinita (vs. 11,12). Ele é um pai amoroso que se compadece dos seus filhos que o temem (v. 13). Por quê? Porque Ele conhece a natureza humana e sabe da sua fragilidade (vs. 14-16). Todavia, a misericórdia do Senhor é eterna sobre os que o temem e guardam a sua aliança (vs. 17-19). Esse Deus não cabe nos dogmas da igreja de Roma; é infinito diante da visão tão limitada e limitadora dos concílios e bulas papais.
            Por desconhecer esse Deus maravilhoso e bondoso, o catolicismo romano ainda emprega o texto de 2 Samuel 12:13,14 para afirmar que, além do perdão, existe a reparação do mal causado pelo pecado. Entretanto, o que vemos aqui não é uma reparação pelo pecado cometido, mas uma consequência. Sempre que pecamos e nos arrependemos, pedindo-lhe perdão, Deus nos perdoa amorosamente. Porém, isso não quer dizer que nos livrará das consequências dos nossos atos. Se cometemos algum crime, por exemplo, e nos arrependemos com sinceridade de coração, Deus nos perdoa, mas ainda assim teremos de responder criminalmente pelos nossos atos na justiça secular.

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. (Romanos13:1-4)

            Deus não viola as leis da Sua própria natureza; não pode ser injusto deixando que um assassino ou um estuprador fique às soltas, sem pagar por seus crimes diante da autoridade divinamente instituída. Foi na ocasião acima (2 Samuel 12:13,14) que Devi escreveu o Salmo 51, onde reconhece o seu pecado e clama pela misericórdia de Deus. Quando Ele pede a Deus que o livre dos seus crimes, não afirma que exaltará a sua Justiça como uma forma de reparar o mal que fez, mas de louvá-lo (v. 14,15), porque Deus não se agrada de sacrifícios, mas se alegra de um espírito quebrantado e um coração compungido e contrito (v. 17). Quando nosso pecado é perdoado e nosso coração purificado, aí sim podemos oferecer sacrifícios a Deus (v. 19).
            Ainda outro texto o catolicismo romano utiliza-se, desta vez para comprovar que devemos orar pelas almas que estão no purgatório e praticar o sofrimento cristão por elas: 2 Coríntios 12:15. Encontramos neste versículo o apóstolo Paulo dizendo aos crentes de Corinto que de tudo fará por eles. Gastar-se aqui significa aplicar-se na pregação da Palavra, no ensino das Sagradas Escrituras, nas viagens missionárias, no cuidado com todas as igrejas que Paulo tinha. Este “gastar” não era em prol dos santos que já haviam morrido, mas daqueles para os quais a carta era endereçada: à igreja de Deus em Corinto e aos santos de toda Acaia (1:1). Não à igreja de Deus no purgatório ou aos santos que vivem lá, mas aos vivos, aos que ainda podem viver a fé em Cristo antes de contemplá-lo de maneira definitiva e perfeita na Glória. Da mesma forma em 2 Timóteo 4:6 Paulo não refere-se a sufrágios pelas almas do purgatório, mas à sua morte como mártir.



[1] Pergunta: se Maria estivesse ali naquele momento, teria ela apedrejado a mulher adúltera?
[2] Ver estudo sobre salvação pessoal – santificação.

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