quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

OS VÁRIOS MEIOS DE SALVAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA - quarta parte


QUARTA PARTE


5 A salvação através de Maria


            A essência da adoração católica romana não gira em torno do Pai, do Filho ou do Espírito Santo, mas da pessoa de Maria. Portanto, é essencial e conveniente que ela seja revestida de poderes e de uma mística diferenciados dos outros personagens bíblicos, é importante que suas virtudes sejam superespiritualizadas e suas ações superexaltadas. De outro modo, nada justificaria tamanha veneração e adoração. Por que o mundo se importaria com uma mulher comum cuja única ação significativa tivesse sido dar à luz ao Salvador? Não, ela precisaria de muito mais que isso, como, por exemplo, ser ela, também, salvadora, redentora da humanidade. E é isso que Ligório (1987, p. 118) pensa da sua amantíssima mãe:

Quando nos dirigimos a esta divina mãe, não só devemos ficar certos de seu patrocínio, mas às vezes seremos até mais depressa atendidos e salvos chamando pelo nome de Maria, do que invocando o Santíssimo Nome de Jesus, nosso Salvador. E eis a razão que dá o escritor (Eádmero): Cristo, como Juiz, tem o ofício de punir; a virgem como padroeira tão somente tem o de compadecer-se. Quer dizer que achamos a salvação mais depressa junto à mãe que junto ao Filho

            A doutrina da correndenção de Maria é explicitamente demonstrada por diversos escritores romanistas e tem como base principal o “sim” pronunciado pela mãe carnal de Jesus ao ser abordada pelo anjo Gabriel com a notícia de que conceberia e daria a luz ao Salvador. Esta doutrina é tomada por alguns como sendo uma visão superespiritualizada e por outros como uma correndenção em sentido analógico. Se formos, porém, analisar o que tem sido escrito, pregado e vivido a respeito desta doutrina, veremos que Maria teve uma participação intrínseca na redenção efetuada por Cristo na cruz, sendo, inclusive, indispensável ao destino do justo. Mas não foi somente o sim de Maria a Deus, mas também o sim de Deus a Maria. Com isso concorda o padre Olívio Reato:

O sim do Pai a Maria foi a solução providencial para a salvação da humanidade pelo Filho encarnado no ventre dessa Mãe venturosa, criatura indispensável para a realização do plano salvítico no qual Deus se tornou homem e foi sacrificado por nós.[1]

            A doutrina da correndenção de Maria, que também a faz de “medianeira” entre Deus e os homens, está no documento conciliar do Vaticano II, Lumen Gentium. O cânon 149 explica que “a materna missão de Maria a favor dos homens de modo algum obscurece nem diminui esta mediação única de Cristo, mas até ostenta sua potência”. Maria tem os méritos de Cristo computados a seu favor, de modo que os dois são indissociáveis no projeto de redenção de Deus para a humanidade. Sem Maria e o seu consentimento, do qual Deus dependia para realizar sua obra salvítica, a humanidade estaria perdida para sempre. Portanto, segundo a doutrina católica, devemos agradecer a Maria a nossa salvação eterna.
            Gabriel Roschini (1960), autor que sofreu descrédito por parte da própria igreja católica por causa da superespiritualização dada a Maria, descreve o Sim de Maria a Deus da seguinte forma (p. 88):

Com efeito, enviando um Anjo à Virgem para pedir seu livre consentimento à Encarnação do Redentor, Deus quis, de fato, que a obra da Redenção dos homens dependesse do seu consentimento. Portanto, dando livremente o consentimento pedido, pronunciando livremente aquele seu fiat que, no dizer de Santo Tomás de Vilanova, foi muito mais poderoso do que o pronunciado por Deus para a criação do mundo, Maria concorreu proximamente para a Redenção do gênero humano e tornou-se, na verdade, Corredentora do mundo. Todos somos, portanto, devedores dEla pela nossa redenção.

Esta doutrina pode ser melhor ainda analisada através do livro Glórias de Maria, o qual já vimos estudando desde o princípio. Nele o autor coloca Maria como peça fundamental e necessária a redenção efetuada por Cristo, sendo que sem a sua participação humilde, abnegada e voluntária, esta redenção jamais teria se concretizado. Portanto, analisaremos a questão sob os seguintes pontos:

1) Já que o pecado entrou no mundo por uma mulher e um homem (Adão e Eva), a salvação teria de vir também de outro homem e outra mulher: o homem seria Jesus Cristo e a mulher, Maria (p. 141):

Uma sentença de S. Bernardo diz: Cooperaram para a nossa ruína um homem e uma mulher. Convinha, pois, que outro homem e outra mulher cooperassem para nossa reparação. E estes foram Jesus e Maria, sua Mãe. Não há dúvida, diz o Santo, Jesus Cristo, só, foi suficientíssimo para remir-nos. Mais conveniente era, entretanto, que para nossa reparação servissem ambos os sexos, assim como haviam cooperado ambos para nossa ruína.

2) A salvação da humanidade dependeria da resposta de Maria às palavras do anjo. Pelo sim de Maria pôde Jesus nascer para morrer pelos nossos pecados (p. 287):

Eia, ó querida mãe, já se vos oferece o preço da nossa salvação, que será o Verbo Divino em vós feito homem. Se o aceitais por Filho, seremos imediatamente livres da morte. O mesmo Senhor nosso, pelo muito que está enamorado de vossa beleza, muito deseja vosso consentimento, por cujo intermédio determinou salvar o mundo. Respondei, Senhora, depressa; não retardeis mais ao mundo a salvação, que de vosso consentimento agora depende.

3) Para que Jesus se sacrificasse por nós na cruz, também dependeríamos do consentimento de Maria. Não seria simplesmente a morte de Cristo na cruz que salvaria o homem, mas primeiramente o consentimento de sua mãe (p. 313):

Havia já o Eterno Pai determinado salvar o homem perdido pela culpa, e livrá-lo da morte eterna (...) Mandou-o, portanto, à terra a fazer-se homem, destinou-lhe a Mãe, a qual quis que fosse a Virgem Maria. Mas como fez a Encarnação do Verbo Divino depender do consentimento de Maria, também dele fez questão para que Jesus se sacrificasse pela salvação dos homens.

4) Apesar de a Palavra de Deus afirmar em João 3:16 que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, o que temos da doutrina Mariana é que Maria e não Deus enviou seu filho à morte (p. 56 e 57):

Qual não deve ser a nossa gratidão para com Maria Santíssima por tanto amor, por tanto sacrifício que fez da vida do seu Filho, com tão grande dor sua, a fim de nos alcançar a salvação? (...) Pois não vemos como ela nos amou mais do que todas as criaturas, como entregou por nós seu Filho único, a quem amava mais do que a si mesma?

5) Desta forma, se Jesus veio ao mundo através de Maria, só o acharemos através da sua mediação (p. 321):

S. Simeão teve promessa do Senhor, de não morrer antes de ver nascido o Messias. Mas esta graça ele não a recebeu senão por intervenção de Maria, porquanto não achou o Salvador, senão nos braços de Maria. De onde vemos que quem achar Jesus não o achará senão por meio de Maria.

            Com isso concorda também Montfort (1998, p. 17), afirmando inclusive que “Foi por intermédio da Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio dela que ele deve reinar no mundo”.

6) Diante de tudo isso, dessa dependência total de Cristo à pessoa de Maria e da nossa dependência do seu “sim” salvador, passamos a depender, também, do seu perdão (p. 68):

Em o vendo a seus pés a implorar-lhe perdão [o pecador], não olha para o peso dos seus pecados, mas para a intenção com que se apresenta (...) A própria Virgem Santíssima assim revelou a S. Brígida. “Por mais culpado que seja um homem, se vem a mim com sincero arrependimento, estou sempre pronta a acolhê-lo. Não considero a enormidade de suas faltas, mas tão somente as disposições do seu coração. Não recuso ungir e curar as suas feridas, porque me chamo e realmente sou Mãe de Misericórdia.

E também (p. 321 e 322):

Se são grandes os nossos pecados, maior é o poder de Maria (...) Se Jesus está irado contra nós, Maria depressa o aplacará (...) Não sabes, Lúcifer, que uma súplica de minha Mãe, a favor de um pecador, basta para fazer-me esquecer de todas as acusações de ofensas a mim feitas?

7) Não é em outro ser, senão em Maria, que encontramos a graça salvadora de Deus (p. 268 e 269):

Só a Jesus e a Maria foi dada tão abundante graça, que seria suficiente para salvar a todo gênero humano (...) À vista disso o Santo exorta-nos a considerarmos com que amor quer que o Senhor que honremos essa grande Virgem, na qual colocou todos os tesouros de sua riqueza. Fê-lo assim, a fim de que quanto temos de esperança, de graça e de salvação, tudo agradeçamos à nossa amantíssima Rainha.

Ainda mais enfaticamente declara Montfort (idem, p. 255):

Ou, ainda, pedi a Jesus, em união com Maria, que, por meio dela venha à terra o seu reino, ou a divina sabedoria, ou o amor divino, ou o perdão de vossos pecados, ou qualquer outra graça, mas sempre por Maria e em Maria.
           
8 – Desta forma, o que se conclui é que sem Maria não temos acesso à salvação (p. 43):

O douto e piedoso Suárez, da Companhia de Jesus, o sábio e devoto Justo Lipsio, doutor da universidade de Lovaina, e muitos outros, provaram incontestavelmente, apoiados na opinião dos Santos Padres... que a devoção à Santíssima Virgem é necessária à salvação, e que é um sinal infalível de condenação – opinião do próprio Ecolampádio e vários outros hereges, – não ter estima e amor à Santíssima Virgem.

            A participação ativa e direta de Maria no “mistério da redenção” não é somente difundida e pregada entre os santos católicos do passado, mas na atualidade ela se encontra bem firmada no Catecismo da Igreja Católica (nº494):

Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo, Maria respondeu com a “obediência da fé”, certa de que “nada é impossível para Deus”: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,37-38). Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tornou mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina da salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção.

            O que podemos concluir de tudo isso é que sem a correndenção de Maria não há possibilidades para o ser humano de alcançar a salvação. Sem uma devoção constante e abnegada à mãe de Jesus, o salvo pode até mesmo perder-se. Isto a faz não somente corredentora, mas a detentora da justiça divina, a porta do céu, a manipuladora da Trindade de Deus. A obra de Cristo na cruz passa a não ser mais a obra única e perfeita da redenção, mas apenas uma consequência da obra realizada por Maria ao pronunciar o seu “sim” à saudação angélica. Não seria muito dizer que, segundo pudemos entender através dos textos expostos, que não é Maria corredentora, mas sim Jesus! Maria é o personagem principal do plano salvítico de Deus e Jesus apenas um ator coadjuvante.
            Deve-se lembrar que nenhuma destas doutrinas encontra qualquer apoio na Bíblia. A palavra de Deus não oferece qualquer indício, direto ou indireto, que nos leve a crer que Maria teve alguma participação na obra de redenção, senão a de ser escolhida para ser o meio pelo qual Jesus haveria de nascer. Os textos citados pelos Santos Padres da igreja romana e seus doutores são usados de maneira leviana e não fornecem base para sua crença, o que nos leva diretamente a refutá-los e desprezá-los, condenando-os como heresia.



[1] Reato, Olívio, Sim, Senhor, Raboni Editora, p. 17.

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